//

Energia solar e conhecimento agroflorestal contribuem para resiliência da Paisagem Modelo Pantanal contra as mudanças climáticas 6l5a17

12 minutos de leitura
Foto: Heitor Liebana.
  • Impulsionar a adaptação de famílias de pequenos agricultores assentados em meio à estiagem e as altas temperaturas tem permitido assegurar a produtividade agrícola e a geração de renda no campo.

O grande número de incêndios registrado no primeiro semestre de 2024 no Pantanal tem relação direta com a ação humana. Mas há outro cenário que se repete há anos no Pantanal e impossibilita o cultivo da terra para muitas famílias: trata-se da quantidade insuficiente de chuvas. 68302x

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), uma parte da borda oeste do Pantanal, onde está situada a Paisagem Modelo, tem se transformado em uma região subúmida seca – uma área árida, com déficit hídrico devido à insuficiência de chuvas, o que favorece a ocorrência de incêndios e afeta severamente o uso efetivo da terra para atividades como agricultura ou pecuária). No longo prazo, a situação pode acarretar um processo de desertificação quando associado ao uso não sustentável do solo.

LEIA MAIS: O que é a Paisagem Modelo?

É nesse contexto adverso que a Paisagem Modelo Pantanal vem se destacando como uma possibilidade de trazer bem-estar, gerar renda e promover práticas sustentáveis para famílias de pequenos agricultores rurais da reforma agrária. O projeto visa promover uma governança colaborativa entre os moradores do território, focada na igualdade de gênero e baseada na troca de conhecimentos que possibilitem um crescimento sustentável coletivo.

Ele é desenvolvido em um território que engloba a APA (Área de Proteção Ambiental) Baía Negra e o assentamento rural 72, ambos no município de Ladário (MS); a região Maria Coelho (também conhecida como “Comunidade da Igrejinha”), os assentamento Urucum e São Gabriel e o Parque Natural Municipal Piraputangas, localizados em Corumbá (MS);  fazendas de cria e recria de gado e mineradoras.

Boa parte dessas comunidades desenvolve a agricultura familiar, com culturas que incluem abóbora, mandioca e hortaliças; pecuária leiteira e cultivo de frutos nativos, entre eles a laranjinha-de-pacu, o jaracatiá e a bocaiuva. Contudo, o sucesso dessas atividades estava atrelado a caminhões-pipa, que abasteciam semanalmente as caixas d’água das famílias. A alternativa seria retirar água de poços, mas a falta de recurso financeiro das famílias impossibilitava o uso das bombas e mangueiras para fazer o serviço de irrigação.

Projeto RESTAURacción 5f2w3r

Para consolidar o bom funcionamento da Paisagem Modelo Pantanal, a Ecoa e o Serviço Florestal Canadense atuam ao lado de 10 propriedades da região para desenvolver o Projeto RESTAURacción. Entre os objetivos principais estão: garantir que todos tenham voz ativa no modelo de gestão proposto pela Paisagem Modelo, treinar e equipar brigadas voluntárias para combater incêndios na região, e capacitar os atores locais a terem meios de subsistência alternativos e produtos da sociobiodiversidade.

O mais recente desses cursos foi ministrado no primeiro trimestre deste ano, quando os moradores do Assentamento Rural 72 aprenderam sobre sistemas agroflorestais e pecuária-floresta com a bióloga e consultora em sistemas agroflorestais Julia Vilela. E é precisamente o uso das técnicas ensinadas na ocasião que tem feito a diferença diante das condições climáticas extremas.

Por conta das altas temperaturas, regar as hortas e os plantios de agrofloresta durante o dia, sob o sol escaldante, pode esquentar demais a água a ponto de gerar queimaduras nas folhas das espécies cultivadas. A solução ideal é a irrigação por gotejamento, feita com a instalação na terra – enterradas ou na superfície – de tubulações com pequenos furos, que liberam quantidades controladas de água diretamente nas raízes e com constância programada. Além de ser mais eficiente do ponto de vista de consumo de água, o método mantém o solo úmido e diminui o impacto da evaporação natural que ocorre em razão das altas temperaturas.

Se a teoria vai bem, a prática gera um obstáculo, que é a demanda por energia tanto para abastecer o sistema de gotejamento em si quanto as bombas que puxam água dos poços. E é aqui que entra outro aspecto fundamental do Projeto RESTAURacción, que é o de trabalhar com fontes renováveis de energia. Além das aulas, os assentados receberam 10 placas solares, suficientes para suprir as necessidades domésticas e agrícolas. Com sistemas de irrigação eficientes alimentados por energia solar, o projeto tem fortalecido a sustentabilidade e a resiliência no território.

Moradores do assentamento 72 receberam as placas no início de 2024 (Foto: Heitor Liebana)

O reflexo das iniciativas conjuntas pode ser visto no sorriso dos assentados e também na fala de André Nunes, diretor da Ecoa e coordenador do projeto RESTAURacción.

“A conclusão da segunda fase do projeto trouxe uma sensação de realização e esperança. Ver que a iniciativa está funcionando e já apresenta resultados positivos é extremamente gratificante. Esta etapa representa não apenas o sucesso dos esforços coletivos, mas também um o significativo rumo a conservação e restauração das funções ecológicas, sociais e econômicas da Paisagem Modelo Pantanal, uma das áreas úmidas mais biodiversas e importantes do mundo”, ressalta Andre.

Os benefícios da agrofloresta 132b4l

Após quase dois anos desde o início do projeto, o verde da Paisagem Modelo Pantanal destoa da vegetação seca ao redor. A conquista veio através da implementação de um Sistema Agroflorestal (SAF) na região. A prática traz conceitos ancestrais de uso da terra aliados a conhecimentos científicos para tentar simular a formação natural de um ecossistema.

Contraste de um sistema agroflorestal implementando em março em comparação com a paisagem ao redor, que está seca (Foto: Gustavo Menezes).

A ideia é manter o solo coberto com diferentes tipos de vegetação, incluindo espécies perenes nativas (grandes árvores que buscam nutrientes de camadas mais profundas do solo e oferecem sombra), semiperenes (arbustos e plantas frutíferas) e elementos de ciclo curto (hortaliças), que podem ser colhidas em pouco tempo e gerar renda imediata. Com a seleção adequada, as plantas trabalham em sintonia para criar um ambiente que retém mais humidade, enriquece o solo e serve de abrigo contra o sol. Além disso, não há proliferação de pragas, o que evita o uso de agrotóxicos e pesticidas na produção.

Com o tempo, a rotação de diferentes culturas aumenta a resiliência de todo o sistema e a segurança de que a produção irá alimentar as comunidades e fornecer renda. Há ainda a chamada integração pecuária-floresta (IPF) que pode ser desenvolvida em harmonia. O ambiente acaba se tornando propício para desenvolvimento de pastagem mesmo durante as secas e assegura conforto térmico aos animais, protegendo contra o calor, ventos fortes e geadas.

Todo o conceito pode ser aplicado em larga escala, o que ajuda ainda a diminuir a sazonalidade da mão de obra no campo e mitigar a emissão de dióxido de carbono e outros gases responsáveis pelo agravamento do efeito estufa, uma vez que há uma drástica redução na necessidade de maquinário.

Paisagem Modelo e a Agenda 2030 1x1l5q

Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova York, estabeleceu metas mundiais para tornar o mundo mais sustentável e resiliente. No encontro, foram definidas 169 metas globais interconectadas e 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a serem atingidos até 2030.

Fonte: Nações Unidas Brasil.

Muitos dos objetivos traçados são trabalhados cotidianamente na Paisagens Modelo Pantanal, principalmente a igualdade de gênero com relação à governança e às tomadas de decisão. Destacam-se também a agricultura sustentável, proteção da vida terrestre (reversão de processos de degradação do solo e diminuição da perda de biodiversidade), uso de energia limpa, ação contra a mudança global do clima, fome zero e agricultura sustentável e a criação de trabalhos dignos, que promovem o desenvolvimento econômico de pequenas famílias agricultoras rurais, comunidades tradicionais, e ribeirinhas.

João Marcelo Sanches 7044x

Jornalista formado pela UFMS, com mestrado em Comunicação pela mesma instituição

Deixe uma resposta Cancelar resposta 6p1f1q

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog 40172q

Rios do Pantanal: Bacia hidrográfica do Rio Sepotuba 2i3o6k

Texto originalmente publicado em 5 de outubro de 2020 Localização: A bacia hidrográfica do Rio Sepotuba abrange

A Hidrovia Paraná-Paraguai: atualizações 51s69

Empresa da Argentina entrou em campo repentinamente, contratada por organização do “corredor Centro-Norte”. Artigos ‘estranhos’ sobre

A Justiça Federal de Corumbá determinou o bloqueio de mais de R$ 212 milhões de fazendeiros acusados de causar danos ambientais ao Pantanal 2x3g49

A Justiça Federal de Corumbá determinou o bloqueio de mais de R$ 212.479.188,44 em bens de

Rios do Pantanal: Bacia Hidrográfica do rio Cabaçal 6s555m

Texto originalmente publicado em 2 de outubro de 2020 Localização: A bacia hidrográfica do rio Cabaçal está

Mel produzido pelas abelhas pode servir como um “marcador” da poluição 251b5k

Via Jornal da USP Por Isabella Lopes O mel é uma substância produzida pelas abelhas a